Servidores públicos federais que, até a última Reforma da Previdência (EC 103/2019), trabalharam em atividades especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física obtiveram importante vitória no STF.
A Constituição Federal prevê a possibilidade de aposentadoria especial para o servidor público que realize suas atividades em condições prejudiciais à saúde ou integridade física (condições insalubres). Porém, até a última reforma da previdência, em 2019, o exercício desse direito dependia da edição de lei complementar.
Ocorre que essa lei complementar não foi editada, o que levou servidores públicos que trabalham ou trabalharam nessas condições especiais a, diretamente ou por intermédio de sua entidade de classe, buscar o Poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal.
Na ausência da lei complementar, o Judiciário vinha reconhecendo a aplicação da regra inserida no artigo 57 da Lei 8.213/91, que trata sobre a concessão de aposentadoria especial aos trabalhadores do setor privado, vinculados ao Regime Geral de Previdência Social (INSS).
Essa regra estabelece o direito ao benefício de aposentadoria especial para quem trabalhar por um período de 15, 20 ou 25 anos em condições prejudiciais à saúde. O tempo é menor quanto mais grave for a exposição do trabalhador a agentes físicos, químicos ou biológicos.
A mesma lei também assegura o direito à contagem diferenciada do tempo de serviço para quem não preencher a totalidade do período especial para aposentadoria. Ou seja, quando o trabalhador migra para uma atividade considerada comum, sem as condições especiais de trabalho, poderá acrescer ao seu tempo de contribuição em atividade especial o fator 0,4, se homem e 0,2, se mulher.
O Supremo Tribunal Federal já havia reconhecido o direito à aposentadoria especial do servidor público, com aplicação da regra do Regime Geral de Previdência (INSS), mas ainda não tinha decidido definitivamente sobre a possibilidade de conversão do tempo especial em tempo comum.
No fim de agosto deste ano, o Plenário do STF decidiu que, até a edição da última Reforma da Previdência, decorrente da aprovação da Emenda Constitucional 103/2019, é possível a averbação do tempo de serviço prestado por servidores públicos em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, e sua conversão em tempo comum para fins de concessão de aposentadoria, com os multiplicadores 0,4 se homem e 0,2 se mulher, ou seja, para os homens acréscimo de 40% e para a mulher de 20%.
No julgamento, prevaleceu o voto do ministro Edson Fachin no sentido de que, até a edição da EC 103/2019, não havia impedimento à aplicação das regras do RGPS para a conversão do período de trabalho em condições nocivas à saúde ou à integridade física em tempo de atividade comum.
De acordo com o ministro, não procede o argumento de que o fator de conversão seria uma forma de contagem de tempo ficto, porquanto se trata apenas de um ajuste da relação de trabalho submetida a condições especiais. Para ele, a aposentadoria especial com tempo reduzido de contribuição reconhece os danos impostos a quem trabalhou, em parte ou integralmente na vida contributiva, sob condições nocivas. Fachin observou que, ao se interpretar a finalidade da regra constitucional, é possível verificar a necessidade de critérios diferenciados para o cômputo do tempo de serviço em condições de prejuízo à saúde.
Porém, segundo o ministro, a nova redação do texto constitucional permite aos entes federados (União, estados, distrito federal e municípios) estabelecer, por lei complementar própria, idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de seus servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação. Por isso, a regra existente para o Regime Geral de Previdência (INSS) somente pode ser aplicada aos servidores públicos para o trabalho prestado até 13 de novembro de 2019, quando entrou em vigor a EC 103/2019.
Tese fixada:
“Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do trabalho prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4ºC, da Constituição da República”.
Processo referido: Recurso Extraordinário 1014286, tema 942 da repercussão geral